quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Lamentações

Eu sou o homem que viu a aflição pela vara do seu furor. Ele me levou e me fez andar em trevas e não na luz. Deveras se tornou contra mim; virou de contínuo a sua mão todo o dia. Fez envelhecer a minha carne e a minha pele, quebrantou os meus ossos.

Edificou contra mim, e me cercou de fel e trabalho. Assentou-me em lugares tenebrosos, como os que estavam mortos há muito. Circunvalou-me, e não posso sair: agravou os meus grilhões. Ainda quando clamo e grito, ele exclui a minha oração. Circunvalou os meus caminhos com pedras lavradas, fez tortuosas as minhas veredas.

Fez-me como urso de emboscada, um leão em esconderijos. Desviou os meus caminhos, e fez-me em pedaços; deixou-me assolado. Armou o seu arco, e me pôs como alvo à frecha. Fez entrar nos meus rins as frechas da sua aljava. Fui feito um objeto de escárnio para todo o meu povo, e a sua canção todo o dia. Fartou-me de amarguras, saciou-me de absinto. Quebrou com pedrinhas de areia os meus dentes; cobriu-me de cinza. E afastaste da paz a minha alma; esqueci-me do bem.

Então disse eu: Já pereceu a minha força, como também a minha esperança no Senhor. Lembra-te da minha aflição e do meu pranto, do absinto e do fel. Minha alma certamente se lembra, e se abate dentro de mim. Disto me recordarei no meu coração; por isso tenho esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos; porque as suas misericórdias não têm fim. Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade. A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto esperarei nele. Bom é o Senhor para os que se atêm a ele, para a alma que o busca. Bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a salvação do Senhor. Bom é para o homem suportar o jugo na sua mocidade; assentar-se solitário, e ficar em silêncio; porquanto Deus o pôs sobre ele. Ponha a sua boca no pó; talvez assim haja esperança. Dê a sua face ao que o fere; farte-se de afronta. Porque o Senhor não rejeitará para sempre. Pois, ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão segundo a grandeza das suas misericórdias. Porque não aflige nem entristece de bom grado aos filhos dos homens.

Pisar debaixo dos pés a todos os presos da terra, perverter o direito do homem perante a face do Altíssimo, subverter o homem no seu pleito, não o veria o Senhor? Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Porventura da boca do Altíssimo não sai o mal e o bem? De que se queixa pois o homem vivente? queixe-se cada um dos seus pecados. Esquadrinhemos os nossos caminhos, experimentemo-los, e voltemos para o Senhor. Levantemos os nossos corações com as mãos para Deus nos céus, dizendo: Nós prevaricamos, e fomos rebeldes; por isso tu não perdoaste. Cobriste-nos de ira, e nos perseguiste; mataste, não perdoaste. Cobriste-te de nuvens, para que não passe a nossa oração. Como cisco e rejeitamento nos puseste no meio dos povos. Todos os nossos inimigos abriram contra nós a sua boca. Temor e cova vieram sobre nós, assolação e quebrantamento. Torrentes de águas derramaram os meus olhos, por causa da destruição da filha do meu povo. Os meus olhos choram, e não cessam, porque não há descanso. Até que o Senhor atente e veja desde os céus. O meu olho move a minha alma, por causa de todas as filhas da minha cidade. Como ave me caçaram os que são meus inimigos sem causa. Arrancaram a minha vida na cova, e lançaram pedras sobre mim. Águas correram sobre a minha cabeça; eu disse: Estou cortado. Invoquei o teu nome, Senhor, desde a mais profunda cova. Ouviste a minha voz; não escondas o teu ouvido ao meu suspiro, ao meu clamor. Tu te aproximaste no dia em que te invoquei; disseste: Não temas. Pleiteaste, Senhor, os pleitos da minha alma, remiste a minha vida. Viste, Senhor, a injustiça que me fizeram; julga a minha causa. Viste toda a sua vingança, todos os seus pensamentos contra mim. Ouviste as suas afrontas, Senhor, todos os seus pensamentos contra mim; os lábios dos que se levantam contra mim e as suas imaginações contra mim todo o dia. Observa-os ao assentarem-se e ao levantarem-se; eu sou a sua canção. Tu lhes darás a recompensa, Senhor, conforme a obra das suas mãos. Tu lhes darás ânsia de coração, maldição tua sobre eles. Na tua ira os perseguirás, e eles serão desfeitos debaixo dos céus do Senhor.

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